Por que as crianças não têm ‘bons modos’ à mesa

Não é por falta de boas maneiras que as crianças se levantam da mesa a cada 5 minutos e resistem a usar talheres ‒ há outros motivos que levam a tais comportamentos nas refeições, explicam especialistas

Por: Verônica Fraidenraich / Canguru News

A altura da mesa e o tamanho dos talheres são fatores que podem prejudicar as refeições das crianças

Há crianças que durante as refeições não conseguem ficar quietas enquanto comem, e se levantam da mesa a cada 5 minutos. Há também aquelas que resistem a usar talheres, limpam as mãos nas próprias roupas ou na toalha da mesa e se levantam logo que acabam de comer. Muitos pais creem que os filhos fazem isso de birra, porque são impacientes, não têm modos ou querem chamar a atenção. Mas, segundo especialistas, há outras questões importantes a considerar para esses comportamentos. Pode passar despercebido pelos pais, por exemplo, que para se sentar de forma adequada numa mesa é preciso ter uma série de habilidades que as crianças ainda não possuem. Entre elas, consciência corporal, coordenação motora fina, boa força muscular e estabilidade do ombro.

Segundo o terapeuta ocupacional pediátrico Jaime Spencer, “fisicamente, os músculos das crianças não são fortes o suficiente para permitir que elas fiquem sentadas numa mesa por tanto tempo. E assim elas mudam automaticamente o corpo para ficarem mais confortáveis ​​e colocar outros músculos no comando”, explicou Spencer em matéria para a newsletter produzida por Melinda Wenner Moyer, jornalista especializada em paternidade, ciência e medicina, e colaboradora da revista Scientific American e de jornais como o The New York Times e Washington Post.

Ela ressalta outro aspecto, quase nunca lembrado, em relação ao tamanho dos móveis e dos talheres, que, no geral, são para adultos. Se a cadeira é grande, a criança não apoia os pés no chão, o que é tão desconfortável quanto é, para um adulto, sentar em um banco alto de bar que não oferece nenhum apoio para os pés, e que, entre outras coisas, exige uma força muscular ainda não adquirida pelas crianças, relata o terapeuta ocupacional.

Muitos pequenos também têm o hábito de se agachar ou ajoelhar na cadeira, ficando assim posicionados mais altos em relação à mesa, o que facilita na hora de comer. Isso porque a mesa fica numa altura que varia entre o abdômen e o peito de um adulto, mas nas crianças é comum que esteja um pouco abaixo das axilas, fazendo com que tenham de manipular os utensílios usando os braços inteiros, e não apenas as partes abaixo do cotovelo.

“Olhar para os assentos é a primeira coisa que faço quando os pais estão lutando para manter seus filhos à mesa”, disse à Melinda a terapeuta de alimentação Jenny McGlothlin. Ou seja, quando a criança se agacha e se mexe não é porque ela está tentando irritar ou desafiar os pais – ela está tentando melhorar sua posição para que possa realmente comer, comenta a jornalista americana.

Habilidades motoras e questões sensoriais

Outro aspecto que exige atenção diz respeito aos talheres. Para usar uma faca e um garfo, a criança deve ser capaz de coordenar os lados esquerdo e direito do corpo. Porém, o que para os adultos parece um movimento quase automático, para os pequenos, em fase de desenvolvimento das habilidades motoras grossas e finas, fazer com que uma mão faça uma coisa, e a outra mão faça outra, simultaneamente, não é fácil. “Habilidades com facas são difíceis – são algo que as crianças continuam aprendendo durante a adolescência”, disse McGlothlin.

A terapeuta de alimentação explicou que quando as crianças estão com fome, pode acontecer de elas usarem as mãos para comer. Isso porque o talher é uma ferramenta que possibilita pegar a comida, mas se isso vira uma dificuldade, as mãos se tornam uma opção mais rápida para levar o alimento à boca. Além disso, comer é uma experiência sensorial, acrescentou ela, e algumas crianças querem tocar sua comida para ter uma noção de suas propriedades físicas antes de colocá-la na boca.

E para os pequenos com menor consciência corporal, pode ocorrer de eles não perceberem o rosto sujo de geléia, molho de tomate,  iogurte ou chocolate. Segundo McGlothlin, são crianças que reagem pouco aos estímulos sensoriais, como as que babam muito e podem preferir alimentos apimentados, azedos ou crocantes – alimentos que despertam seu sistema sensorial e os fazem se sentir mais confortáveis.

Mas há maneiras de tornar as refeições mais fáceis e menos bagunçadas, de acordo com as especialistas.

Móveis ajustados ao tamanho da criança

Assegure que seus filhos se sentem de uma maneira que apoiem o corpo e facilite o alcance e o manuseio da comida. Observe se a criança está sentada na cadeira de forma adequada, na posição 90-90-90: com um ângulo de 90 graus nos quadris, joelhos e tornozelos. Também é importante certificar-se de que a criança esteja sentada alta o suficiente, para que a mesa fique numa altura entre o peito e a cintura. Caso não, pesquise sobre acessórios como almofadas, assentos e apoio para os pés que se ajustam à altura e tamanho das crianças.

Analise ainda os talheres, que devem ser de tamanho infantil para os menores e. Já crianças maiores, podem usar garfos de salada, que são um pouco menores e mais fáceis de manusear.

Não faça tudo pelos seus filhos

Ao ver o filho cortando uma carne com dificuldade, é natural que os pais queiram assumir a tarefa e rapidamente cortem o alimento por ele. E tudo bem se isso acontecer algumas vezes. Mas é importante dar à criança oportunidades para que aprenda a usar os talheres – ainda que isso possa significar uma bagunça na mesa. Usar garfo e faca “é uma habilidade motora, assim como andar de bicicleta ou tocar piano, e eles precisam praticar”, disse McGlothlin. Outra forma de treinar essa habilidade sem tanta pressão é sugerir que use palitos de dente para alfinetar frutas como o melão. Atividades com pintura, escrita e tesoura também ajudam na coordenação motora fina, diz a terapeuta em alimentação.

Corrija seus filhos sem deixá-los envergonhados

É preciso tomar cuidado para que as crianças não associem as refeições a situações de estresse e vergonha. Para que esse seja um momento positivo e agradável, McGlothlin sugeriu o uso de uma “linguagem passiva”, por meio de perguntas sugestivas como: será que se você cortar o legume antes de esfaqueá-lo, seria mais fácil?

Gerencie suas expectativas

É importante que os pais reflitam se não estão esperando demais dos filhos, desejando que dominem habilidades que eles ainda não são capazes de fazê-las. Também é comum que os pais esperem algo dos filhos que sequer explicaram a ele como fazer. Limpar as mãos no guardanapo, e não na roupa, por exemplo. A especialista sugere deixar o guardanapo próximo da criança e dizer a ela que pode usá-lo. “Existem coisas que esperamos das crianças que realmente colocam muita pressão sobre elas, mas isso não é necessariamente algo que elas possam administrar”, disse McGlothlin.

E se a criança sai correndo da mesa logo após terminar de comer? Considere liberá-la, sugere a jornalista. “Reserve um minuto para pensar nas pequenas concessões que você pode fazer para tornar as refeições em família uma experiência mais agradável e menos gritante para todos”, finaliza Melinda.

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