Como lidar com a resistência e o receio dos filhos às mudanças

A psicóloga Patrícia Nolêto fala sobre temperamentos das crianças e a necessidade de entender que na parentalidade não controlamos tudo - e isso pode não ser ruim

Por: Patrícia Nolêto / Canguru News

Mesmo em situações de sofrimento, pais têm que entender que não se pode blindar os filhos de sentir, afirma Patrícia Nolêto

Mudança de cidade, de escola, de casa... Você já passou por algum tipo de mudança com seus filhos que não foi bem recebida por eles?

Para crianças pouco abertas a novidades, que se sentem mais seguras com o que já conhecem, as mudanças podem não ser muito bem aceitas. Mas há maneiras de ajudá-las a se abrirem ao diferente, trabalhando o seu temperamento.

O temperamento é uma das partes responsáveis pela formação da personalidade - a parte genética. Embora ela não possa ser modificada, é possível moldá-la de acordo com a maneira como interage com o ambiente.

É como a cor do cabelo de uma criança, que é castanho claro, mas apresenta variações a depender da quantidade de sol que recebe. No verão, clareia bastante, chegando a ficar quase loiro. Já no inverno, sem tanta exposição ao sol, o cabelo não fica tão claro. É assim que acontece com o temperamento, dependendo do ambiente que ele é exposto, teremos um resultado diferente.

O temperamento por si só não define como será a personalidade da criança na vida adulta, mas sim o que o ambiente faz com ele. Para ficar mais claro, podemos imaginar que as características do temperamento são como elásticos. Cada criança tem elásticos de tamanhos diferentes para cada característica.

Uns vão se estender bastante, outros são bem curtinhos. Mas a interação com o ambiente pode ajudar a estender um pouco mais esse elástico curtinho, ou conter o que se estica muito.

Sabendo disso, vale pensar que diante de uma mudança será preciso esticar um pouco o elástico daquelas crianças que têm dificuldade de se abrir a novas experiências.

 Trago aqui uma situação pessoal que vivenciei para ilustrar o que fiz para tentar esticar um pouco o “elástico” da minha filha, Clara, de modo a tornar a experiência da mudança algo leve para ela.

Ao perceber a resistência de minha filha, Clara, diante da mudança de casa da nossa família, tracei todo um plano para mostrar fotos do Pinterest que a ajudassem a imaginar seu novo quarto, deixando-a escolher as cores, móveis e enfeites. Também planejei visitas ao novo apartamento e passeios no bairro para nos familiarizarmos com o novo local.

A princípio, minha filha se empolgou, fez uma lista das coisas que queria no quarto e uma amiga arquiteta fez uma imagem 3D do ambiente exatamente do jeitinho que ela pensou. Clara, ao ver o projeto, ficou radiante. Pulava, ria, falava sem parar! Isso me deu um certo alívio, mas durou pouco.

Alguns dias depois, antes da Clara dormir, ela perguntou se realmente teríamos de nos mudar.

Respirei fundo, tentando gerenciar minha frustração, abracei, beijei, acolhi e expliquei novamente o motivo da mudança. Ela se acalmou, dormiu. Eu perdi o sono. Comecei a refazer meu plano mental de salvar o mundo, quer dizer, poupar a minha filha do sofrimento.

Dias depois, tinha uma sessão de supervisão clínica, algo comum na Psicologia, em que profissionais supervisionam o trabalho dos colegas, para dar orientações, levantar um ponto que às vezes não observamos, fazer perguntas e trazer questionamentos que ajudam a pensar e levantar hipóteses

Comecei a supervisão pedindo licença para trazer algo da minha filha e não de uma paciente. Contei um pouco da Clara, do jeito dela, das flexibilizações que fomos conquistando, da criança que precisa ser antecipada das coisas, de tudo o que fizemos até agora para ajudá-la nesse processo. E perguntei: o que mais podemos fazer para que ela não sofra com a mudança, para que não seja uma ruptura, um trauma para ela?

Ela me perguntou: será que você já não fez tudo? Será mesmo que tem mais algo para fazer?

Comecei a rir. Em poucos segundos me lembrei de algo que falo frequentemente para os pais dos meus pacientes. Me lembrei do primeiro capítulo do meu livro “Filhos em construção: as necessidades da criança pela teoria do esquema”, onde começo dizendo o seguinte: “No mundo da parentalidade, você nunca terá o controle de tudo, e isso nem sempre é ruim.”

Me dei conta que quando a gente muda, deixamos algo para trás.

Me dei conta que também vou sentir falta daquela casa e de tudo o que vivemos lá nesses sete anos. Foi lá que a Clara nasceu, aprendeu a andar, a ler…

Me dei conta que podemos sim esticar os elásticos de alguma característica do temperamento dos nossos filhos, mas não podemos blindá-los de sentir. E está tudo bem!

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