7 passos para promover a comunicação não violenta com as crianças

O equilíbrio entre o autocuidado e o cuidado do outro é um dos principais aspectos desse princípio

Por: Érica Travain/Canguru News

Na comunicação não violenta, é essencial que uma pessoa escute a outra

Muitos quando ouvem falar em “comunicação não violenta” logo pensam que isso se refere a se comunicar de maneira “fofa”, meiga. Não, não tem nada a ver com isso. “A maneira como falamos é só uma consequência de uma nova forma de olhar para a vida, que envolve uma mudança de foco”, explica a psicóloga clínica Raylla Andrade. Ela e o marido Rodrigo Lolato, engenheiro de formação e coach executivo, atuam como facilitadores de diálogos e desenvolvimento humano e têm sido convidados para aplicar o conceito a comunicação não violenta (CNV) nas questões da parentalidade. O casal gosta de compartilhar a experiência que têm com as próprias filhas - Sara, de 8 anos, e Sofia, de 6 - para mostrar, na prática, como funciona esse modo diferente de interpretar o dia a dia.

Segundo Raylla, a comunicação não violenta é um conjunto de princípios filosóficos e práticas concretas que contribuem para criação de relações mais gostosas e sustentáveis, com base em três pilares: a autenticidade, a empatia e a autoempatia. Em outras palavras, é importante saber olhar para as próprias necessidades e para as necessidades dos outros. “Porque se eu olhar, por exemplo, só para a necessidade da minha filha, há grandes chances de eu me violentar nesse processo. E a gente não quer violência em nenhuma das relações”, explica Raylla.

A autenticidade se desmembra em quatro elementos centrais. A primeira é a observação, é ter clareza do que é o fato, do que realmente aconteceu. “A partir dessa clareza, eu posso ir para o elemento dos sentimentos. Quais sentimentos há em mim? Quais sentimentos estão aqui agora entre as crianças?”, sugere Rodrigo como questionamentos. O terceiro passo é olhar quais necessidades estão relacionadas a esses sentimentos e, por fim, partir para a ação, com o intuito de fazer um pedido ao outro ou firmar um acordo.

Já a empatia tem dois focos principais: qual foi o fato ocorrido e qual é o sentimento do outro. Ou seja, como o outro está se sentindo e do que está precisando.“A autoempatia é usar tudo isso para ganhar clareza do que está acontecendo dentro de mim, substituindo o julgamento por compreensão e abrindo a possibilidade de escolhas mais conscientes”, explica Rodrigo.

Como aplicar o conceito no dia a dia

Os sentimentos desagradáveis e os conflitos aparecem quando as necessidades não são atendidas. “Antes da solução, é importante ter conexão entre as pessoas. Mostrar que todas as necessidades são valiosas. Todas são importantes independentemente se vou conseguir atendê-las naquele momento. Afinal, a vida não é perfeita. Não é possível atender todas as necessidades o tempo todo”, aconselha Rodrigo.

O casal apresenta 7 pontos importantes da comunicação não violenta que podem ser aplicados no dia a dia pelos pais. São eles:

1. Equilíbrio entre o autocuidado e o cuidado do outro: “Talvez essa seja inclusive a essência da não violência. Como a gente cuida de todos os envolvidos? Como não violenta ninguém? E na relação com a criança, como fazer esse equilíbrio entre cuidar de mim e cuidar do outro?”, questiona Raylla. A psicóloga expõe que, com frequência, os pais sentem que isso não é possível e, na prática, não é um equilíbrio simples. “Como cuidar de duas crianças e ter autocuidado? ‘Não cabe aqui autocuidado’, pensamos. Mas precisa caber! Porque quando não há autocuidado, tem um preço muito alto para todo mundo”, destaca a psicóloga. Algumas atitudes simples para conquistar o equilíbrio são tirar uma tarde livre, deixar as crianças com uma babá de confiança e ir passear, viajar por dois dias como um casal ou tentar se conectar a dois.


2. Equilíbrio entre firmeza e amor. “Equilibrar é ter ambos bem desenvolvidos. Estar tão centrado naquela escolha e profundamente imbuído de amor”, resume Rodrigo. Para ele, há diversas situações em que os pais se sentem desafiados, como ao ir embora de uma festa, ao incentivar as crianças a provarem novos alimentos ou estimular a autonomia em tarefas domésticas. É provável que os pequenos não queiram fazer determinadas coisas, reclamem e até desaprovem as atitudes dos pais, mas a frustração faz parte da vida. “O que me ajuda a ser firme, mesmo vendo o desconforto imediato, é lembrar para o que estou fazendo aquilo. Ter uma visão mais longo prazo”, afirma. “Quando eu consigo me conectar com o propósito, parece que minha fala já vem imbuída de amor porque tenho clareza do sentido que aquilo tem”, conta Rodrigo.

3. Combinados e expectativas claras: é essencial ensinar as consequências das atitudes aos pequenos, mas isso não se trata de punições. A ideia é que os pais e os filhos co-criem os combinados e saibam por que são feitos. “A criança começa a perceber o impacto que as ações que elas fazem tem no mundo e nos outros. Elas fazem escolhas melhores”, afirma o coach executivo. O que é escrito no final, marcado em um cartaz ou anotado em uma agenda visível é apenas um papel. Antes, em uma conversa, são expostos sentimentos, necessidades e expectativas de pais e filhos.

4. Mediação de conflitos: na comunicação não violenta, é essencial que uma pessoa escute a outra. “O meu objetivo quando estou mediando um conflito é simplesmente fazer com que uma criança leve em consideração a situação da outra. Ajudar a criança a acessar o impacto da ação dela no outro”, relata Rodrigo. Usar expressões como “eu estou ouvindo que a pessoa está dizendo isso” ou questionar “o que você ouviu a outra pessoa dizer?” pode ajudar na conciliação. Quando os ânimos já estão mais calmos, o coach sugere o jogo das soluções, como uma brincadeira. “Cada um tem que dar uma ideia de solução, mas que precisa ser boa pra todo mundo. Mas na nossa experiência, isso só funciona no final, depois que já teve alguma conexão entre as crianças”, destaca.


5. Cuidado com as mentiras: “Cuidado com uma lista de violências muito sutis que às vezes não percebemos. Por exemplo, ‘não vai doer a injeção’, mas a criança toma e vê que dói. Aquela mentirinha quebra a confiança”, exemplifica Raylla. As pequenas mentiras podem abalar uma necessidade importante, que é a da confiança. O mesmo serve para o uso do sarcasmo e o menosprezo por algo que a criança fez. “O convite da não violência é cada vez mais refinar nosso olhar para as micro violências e perceber se não encontramos outras estratégias”, mostra a psicóloga.

6. Rede de apoio: “Não dá para diminuir níveis de violência se a gente não tiver uma rede de apoio. Não tem jeito. É aceitar que não dá conta sozinho”, enfatiza Raylla. Esse é um processo de aceitação e autocompaixão. É reconhecer quem pode ajudar em situações mais simples ou complexas. “É quem eu tenho que me escuta quando eu quero abrir o coração e tenho coragem de falar”, caracteriza.

7. Olhar potencial: “Em vez de olhar para o que está faltando, olhe para a potência que está ali”, afirma Rodrigo. Para o coach, é muito poderoso quando observamos um ser humano, em qualquer fase da vida, e acreditamos no potencial dele. No entanto, para que isso aconteça, é preciso abrir mão das projeções e dos rótulos. “Olhar a criança tentando extrair o que ela já é, e não o que a gente desejaria ou esperaria”, afirma.

Raylla e Rodrigo ainda explicam que todos os momentos são válidos para aprendizados, sejam os de necessidades atendidas ou não atendidas. Assim, o grande ensinamento da comunicação não violenta é melhorar as relações e diminuir a violência, muitas vezes, praticadas contra si mesmo ou com as crianças.

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