Os prejuízos das telas na infância nesta atual “sociedade dos excessos”

Psicólogo e psicoterapeuta, Iuri Capelatto alerta sobre como estamos "modelando os jovens e as crianças"

Por: Amanda Nunes Moraes/Canguru News

Para especialista, um grande problema da atualidade é a enorme quantidade de plataformas, jogos online e programas que as crianças podem acessar facilmente.

As crianças são inseridas cada vez mais cedo no universo online. Para Iuri Victor Capelatto, membro do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, isso reflete a forma como a sociedade está “modelando os jovens e as crianças”. Capelatto afirma que o grande problema da sociedade atual é o excesso de consumo e de oferta. Os eletrônicos oferecem uma quantidade infinita de estímulos, o que pode surtir efeitos negativos nas crianças. “Uma das queixas que eu mais recebo dos pais é sobre o tempo de uso”, diz o psicólogo e psicoterapeuta.

Mesmo antes do coronavírus, o tempo de uso da internet no Brasil já era alarmante. Segundo pesquisa uma pesquisa realizada em 2018 pela We Are Social e HootSuite,  agências de marketing digital especializadas em mídias sociais com atuação ao redor do mundo, os internautas brasileiros usam a internet por 9 horas e 14 minutos por dia. E de acordo com a mais recente edição da pesquisa TIC Kids Online Brasil, com dados de 2019, 89% da população de 9 a 17 anos é usuária de internet, o que equivale a 24,3 milhões de crianças e adolescentes. Com a pandemia e a necessidade do uso das telas para assistir aulas, trabalhar e se comunicar com as pessoas, este número tende a subir na próxima edição da pesquisa.

O prazer gerado pelo excesso

Segundo Capelatto, um grande problema da atualidade é que há uma enorme quantidade de plataformas, jogos online e programas que as crianças podem acessar facilmente. Para ele, a ideia de que a criança pode ter tudo disponível 24 horas por dia e pode assistir TV ou jogar videogames quando quiser é preocupante. “Na verdade, a hora que eu quero é sempre, o desejo está presente sempre”, aponta.

Há uma parte do cérebro que é acionada quando a pessoa faz algo prazeroso, chamado de circuito dopaminérgico, que traz essa sensação de bem-estar, explica. Quanto mais ele é acionado, mais a pessoa tem vontade de mantê-lo em funcionamento, para que persista esse sentimento agradável, o que pode afetar a capacidade de autocontrole. “Se esse excesso de prazer que nossa sociedade criou tem esse efeito em adultos, imagina em uma criança de 3 ou 4 anos que vê a programação da TV infinita e entende que, enquanto ela ficar na frente da TV, ela vai ter desenho para assistir”, relata. 

Passar o dia “maratonando” séries, isto é, assistir séries o dia inteiro, é uma atividade muito comum entre jovens e crianças. Para o especialista, esse hábito pode fazer mal para a coluna, para o cérebro, para a vista e para a saúde. “O prazer que a tecnologia traz é imediato, ele só vai durar enquanto você estiver exposto, em qualquer momento que você parar, vai te causar dor. Crianças com um, dois ou três anos já acordam assistindo televisão, como se isso tivesse que ser o prazer que a gente tem que ter na vida”, diz.

O psicólogo também acredita que o sono se tornou algo desprezado atualmente. “Nós tiramos a importância do sono, como se a gente precisasse de estímulos o tempo todo. Isso traz a ideia de que o prazer imediato é mais importante do que qualquer forma de prazer”, afirma. Este pensamento resulta na falta de momentos de ócio para desenvolver a criatividade, além da falta de tempo para interações sociais e para jogos criativos e estruturados.


Principais prejuízos para as crianças pequenas

De acordo com Iuri Capelatto, o excesso de uso das tecnologias pode trazer muitos danos para os pequenos. A primeira infância é um período fundamental para o desenvolvimento das funções motoras e cognitivas, mas as atividades online não oferecem estímulos suficientes para o desenvolvimento pleno das crianças. Um estudo canadense feito com mais de 12 mil famílias acompanhou e avaliou as crianças aos dois, três e cinco anos de idade. As crianças que tiveram mais tempo em contato com as telas aos dois e três anos, tiveram pior desempenho em atividades de comunicação, de capacidade motora, de resolução de problemas e de competências sociofuncionais aos cinco anos.

Capelatto aponta que entre as principais consequências para uso excessivo de dispositivos digitais estão:

  • Ansiedade
  • Maior irritabilidade
  • Comportamentos agressivos
  • Aumento de comportamentos opositores e desafiadores
  • Menos paciência
  • Dificuldades de aprendizagem escolar
  • Aumento de desatenção
  • Obesidade/sedentarismo
  • Problemas de coluna e outros problemas físicos
  • Aumento do vício em tecnologias em mídias

Importância do limite e monitoramento

As crianças de hoje têm mais dificuldades em lidar com frustração e limite, devido à grande oferta de estímulos, mas Iuri Capelatto reforça que os pais precisam impor regras. Segundo a Academia Americana de Pediatria, não é recomendado que bebês de até um ano e meio não tenham contato com nenhum aparelho tecnológico móvel. A partir dos dois anos, os pais podem oferecer programas de alta qualidade e assistir junto com os filhos, limitando o tempo de uso por uma hora por dia. Acima dos seis anos, é recomendado que as crianças não passem mais de duas horas em frente às telas e não utilizem os aparelhos perto da hora de dormir. Claro que, com a pandemia, é possível fazer algumas adaptações.

O psicólogo indica que é interessante estabelecer tempos livres de tecnologia, como durante o jantar, e lugares livres de tecnologia, como o quarto. Este último é imprescindível para Iuri Capelatto: “Tecnologia dentro do quarto tira o simbolismo do descanso, do retiro”. Outro assunto que o especialista é muito questionado é sobre o celular. Para ele, apenas após a criança completar 12 anos ela pode tentar conquistar o direito de ter um celular. É preciso que o filho prove através de seus comportamentos que é capaz de fazer um uso responsável da internet e que aceita seguir os combinados estabelecidos sobre o tempo de uso.

Para isso, é fundamental que os pais conversem com as crianças desde pequenas sobre os perigos da internet e os cuidados necessários, sempre utilizando uma linguagem acessível. Os adultos também podem propor outras atividades, como jogos físicos ou caminhadas, que podem entreter as crianças e mantê-las longe do mundo online.

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