Crianças com altas habilidades: o desafio de diagnosticar e educar

O pequeno superdotado tem direito a condições especiais de ensino, sendo dever da escola assegurar que os recursos corretos sejam aplicados

Por: Michele Custódio/Canguru News

Juliana, a mãe, conta que a nova escola de Leonardo oferece acompanhamento psicológico e aulas de música.

Crianças superdotadas tendem a ser muito inteligentes, pois aprendem com facilidade e rapidamente. Porém, apesar dos diversos mitos existentes em torno da condição de superdotado, as crianças que se enquadram neste diagnóstico, muitas vezes, acabam não tendo suas necessidades educacionais devidamente atendidas, seja pela falta de preparo da escola ou pela demora na identificação do quadro. A criança superdotada deve ser incentivada e acolhida ainda no núcleo familiar para que comece a expressar sua capacidade acima da média.

Apesar do receio de estar imaginando coisas, a jornalista do Rio Grande do Norte, Juliana Manzano, começou a desconfiar da condição de superdotado do filho Leonardo (9 anos) quando ele tinha apenas 3 anos de idade, embora o primeiro laudo só tenha sido feito dois anos depois. “A partir do momento que eu comecei a desconfiar, eu ainda demorei para ir atrás de um diagnóstico, era tudo muito novo e jamais imaginei que isso poderia acontecer”, relata Juliana Manzano. A jornalista conta que aos 3 anos Leonardo falava frases completas, usava palavras que não eram do dia a dia dele e lia muito bem, como uma criança de 10 anos ou mais. Desde então, o pequeno começou a apresentar ainda mais características de ser superdotado.

A superdotação

Conforme as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001), “considera-se uma criança alto habilidosa ou superdotada aquela que apresenta a facilidade de aprendizagem, pois domina rapidamente os conceitos, os procedimentos e as atitudes.”

A psicopedagoga Socorro Santos, que também é especialista em altas habilidades e superdotação, explica que dois dos teóricos que tratam da superdotação são Howard Gardner e Joseph Renzulli. De acordo com os estudiosos, a criança superdotada tem o potencial de desenvolver uma habilidade ou não, isso dependerá do ambiente familiar e do contexto social em que o indivíduo está inserido. “A criança com altas habilidades não é aquela que é excelente em tudo, ela pode até apresentar dificuldades de aprendizagem, mas ela tem potencial para superá-las”, descreve a especialista.

Principais características

Os superdotados apresentam características heterogêneas, ou seja, muito diferentes umas das outras. Justamente por suas habilidades abrangerem inteligências diversas: linguística, lógica, motora, musical, espacial… Por isso, é também difícil definir quais seriam as características de uma criança superdotada. A Associação Paulista para Altas Habilidades/Superdotação (APAHSD) listou algumas das mais recorrentes:

  • Aprende fácil e rapidamente;
  • É original, imaginativo, criativo, não convencional;
  • Está sempre bem informado, inclusive em áreas não comuns;
  • Pensa de forma incomum para resolver problemas;
  • É persistente, independente e auto direcionado (faz coisas sem que seja mandado);
  • Persuasivo, é capaz de influenciar os outros;
  • Inquisitivo e cético, está sempre curioso sobre o como e o porquê das coisas;
  • Tem vocabulário excepcional, é verbalmente fluente;
  • Aprende facilmente novas línguas;
  • Tem bom julgamento, é lógico;
  • Tem múltiplos interesses, alguns deles acima da idade cronológica;
  • Demonstra alto nível de sensibilidade e empatia com os outros;
  • Resiste à rotina e à repetição.

Processo de identificação

Foi por meio de pesquisas que Juliana Manzano teve contato com a condição de crianças com superdotação/altas habilidades e começou a compreender que seu filho poderia ser um pouco diferente das outras crianças. Sua primeira atitude foi levá-lo a uma psicóloga clínica, onde foi direcionada para uma neuropsicóloga, profissional responsável pela identificação do quadro. “São realizadas avaliações pedagógicas e psicológicas para identificar em que área da inteligência a criança apresenta altas habilidades. Com os resultados, é possível orientar de forma mais assertiva como conduzir o desenvolvimento do superdotado”, informa a APAHSD.


O diagnóstico do Otto (12 anos) veio aos 8 anos de idade, quando ele disse para a mãe, Jana Figueiredo, que queria mudar de escola, pois queria conhecer pessoas novas. “Ele escolheu estudar em uma escola muito pequena, que tinha apenas 4 salas de aula, mas que o acolheu muito bem. E foi essa escola que percebeu que ele tinha altas habilidades/superdotação”, relata a psicopedagoga e especialista em parentalidade, Jana Figueiredo.

 

O dever da escola

De acordo com a Lei nº 9.394/96, Art. 59-A: “O poder público deverá instituir cadastro nacional de alunos com altas habilidades ou superdotação matriculados na educação básica e na educação superior, a fim de fomentar a execução de políticas públicas destinadas ao desenvolvimento pleno das potencialidades desse alunado”. E diversas são as formas da instituição adaptar seu programa para receber um superdotado: “a escola pode propor programas de monitorias, trabalhos em grupo e trabalhos diversificados. O importante é que a escola encontre meios e estratégias para a atender às necessidades dessa criança”, destaca Socorro Santos.

Outra opção muito importante para o desenvolvimento do superdotado são as salas de recursos multifuncionais. Trata-se de um programa federal, disponibilizado às escolas públicas, que oferece um conjunto de equipamentos de informática, mobiliários, materiais pedagógicos e de acessibilidade para a organização do espaço de atendimento educacional especializado. Socorro Santos foi coordenadora de uma das salas de recursos disponíveis na cidade de Brasília. Para ela, o programa colabora – e muito – para o desenvolvimento do pequeno. “A criança deve ir no horário contrário ao ensino regular. Lá, ela terá oportunidade de conviver com seus pares, de se conhecer melhor, de desenvolver projetos e aprofundar seus conhecimentos de acordo com sua área de interesse”, reforça a profissional.

Socorro ainda enfatiza a importância dos pais conhecerem bem a escola em que o filho será matriculado. Por isso, é essencial que a família se informe sobre a condição de superdotação, conheça os direitos que a criança tem e se inteire da proposta pedagógica da instituição de ensino. “É importante conhecer a equipe pedagógica, saber se a escola tem experiência com casos de superdotados e, principalmente, se está aberta a flexibilizar seu conteúdo”, frisa a psicopedagoga.

Os desafios para os superdotados

Durante a pandemia, as aulas online vem sendo um grande desafio, já que não estão sendo boas experiências para as crianças. “Não está sendo tranquila a aula online. Ele é uma criança criativa e produtiva, ele não é uma criança que goste do meio acadêmico. Ele não gosta de assistir aula, pois é entediante ficar vendo o professor explicar as coisas outras vezes para os amigos”, expõe Jana Figueiredo, mãe do menino Otto. Para Leonardo, as aulas remotas também são frustrantes. “Ele odeia as aulas online, porque enquanto a professora está explicando, ele já está fazendo exercícios e depois fica sem ter o que fazer”, revela Juliana Manzano.

Além do meio educacional, algumas posturas da sociedade também podem incomodar os pequenos. “O meu maior desafio é que muitas pessoas não entendem como eu tenho 9 anos e estou no 6°ano. Atualmente, eu não tenho muitos problemas com isso, pois todos da minha escola sabem que eu sou uma criança normal. Mas, mesmo assim, os professores e alunos ainda me perguntam ‘Você sabe de tudo?’ e têm curiosidades sobre várias outras coisas”, relata Leonardo sobre suas experiências do dia a dia.

Papel familiar

A família possui a função de dar suporte ao superdotado, sendo determinante para o sucesso da criança. “Ter um ambiente acolhedor, onde suas emoções possam ser acolhidas e entendidas. Isso é fundamental para o pequeno”, explica Socorro Santos. A inteligência emocional é uma habilidade indispensável para os pais e para os filhos. Para ela, “conviver com os pares é muito fácil, mas conviver com os diferentes é um desafio. Por isso é fundamental que essa criança tenha uma compreensão de si mesma. Para que ela se desenvolva e seja capaz de tomar decisões”, finaliza a psicopedagoga.

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