Diante de um berreiro homérico no corredor do shopping ou da afronta a uma ordem explícita, pais e mães à moda antiga dirão – a maioria com a melhor das intenções – que castigos físicos têm seu valor pedagógico. Do mesmo modo, guardadas as devidas proporções, mães novatas ouvirão, entre membros de gerações anteriores, que é bom que o bebê seja deixado sozinho desde cedo, para que não se acostume demasiadamente ao colo materno.
Com o devido respeito aos que nos antecederam, a quem devemos tanto do que usufruímos, anos de pesquisa e prática no campo da educação mostram que muitos destes antigos conselhos geram resultados indesejáveis, sobretudo porque carecem de bons fundamentos. Vide, por exemplo, a teoria do apego, proposta pelo psiquiatra John Bowlby. Segundo o autor, a proximidade física da criança com os pais durante seus primeiros anos é uma necessidade biológica, capaz de influenciar seus relacionamentos pelo resto da vida. Não se deve estranhar, portanto, que crianças pequenas queiram estar muito perto de suas mães: não apenas é natural, como é necessário para seu desenvolvimento.
Similarmente, na fase das birras (ela chega para todos) pode ser bastante útil checar se a criança está com sono, com fome ou com algum desconforto físico, se está irritada ou assustada, ou se precisa de alguma ajuda para estancar o próprio escândalo. Pode ser especialmente benéfico lembrar-se que dificilmente os pequenos o fazem por prazer de incomodar seus cuidadores, o tipo de ideia que todo pai em vias de perder a compostura já teve. Nada disso significa transigir em comportamentos inaceitáveis ou fazer vista grossa para infrações de regras e malcriações, mas, sim, compreender suas origens e responder às situações de forma assertiva.
Há que se levar em conta, ainda, que alguma impaciência com comportamentos desafiadores e o emprego de punições físicas são exemplos simplórios das dificuldades que podem emergir do convívio entre crianças e seus responsáveis. Na outra ponta da escala, há os casos de inegável negligência - quando não, pura violência -, praticados sobretudo por pais que também foram privados de boas experiências de cuidado. Segue-se, então, um ciclo vicioso de flagelos que abarcam desde problemas de saúde mental e transtornos alimentares a lesões físicas e suicídio.
Ocorre que os benefícios de uma boa relação entre pais e seus filhos pequenos extrapolam os muros do lar: um estudo americano indicou que é possível prever com bastante precisão as chances de um adolescente abandonar a escola com base no relacionamento com seus pais em seus primeiros três anos e meio de vida. No mesmo esteio, são abundantes as pesquisas que apontam a íntima conexão entre a presença de cuidadores atenciosos e a redução no risco de vício em drogas, iniciação sexual precoce e outros comportamentos de risco.
Se é verdade que o cuidado com as pessoas desde os primórdios de sua formação é peça-chave para a construção do bem comum, a formação de pais e mães a par de sua responsabilidade e com recursos para exercê-la deve ser uma prioridade do Estado e da sociedade civil. E a boa notícia é que os meios para elevar essa discussão à prática já ultrapassam o campo das boas ideias: são políticas públicas baseadas em evidências.
Experiências internacionais de incentivo à parentalidade positiva por meio da educação parental e outras iniciativas para fortalecer vínculos familiares estão ganhando a atenção por serem eficientes, baratas e de fácil implementação. Não à toa, o Unicef lançou, em 2022, um chamado aos governos nacionais para implementarem programas dessa natureza. Segundo o relatório da organização, os programas de apoio às famílias custam o equivalente a uma campanha de vacinação e são facilmente escaláveis: países como Filipinas, África do Sul e Tanzânia já possuem ações consolidadas no fortalecimento parental.
Os resultados apontam que tais ações têm a capacidade de promover o desenvolvimento de crianças e adolescentes, além de prevenir violências e abusos por parte da própria família ao municiá-la com o conhecimento necessário para a boa formação.
Não custa reforçar: pais responsivos, nem autoritários, nem negligentes, são a melhor salvaguarda para um futuro sadio. Não se trata, contudo, de ditar que modo as famílias devem educar seus filhos - longe disso. Trata-se, antes, de fornecer a melhor informação possível para que tomem suas próprias decisões, cientes de seu papel insubstituível. São as famílias, afinal, que cuidam das pessoas. E é de pessoas bem-cuidadas que se constrói uma cultura efetivamente inclusiva e diversa; um mundo no qual todos esperamos conviver.
*Rodolfo Canônico é diretor executivo do Family Talks, programa de advocacy da Associação de Desenvolvimento da Família (ADEF), que busca assegurar proteção especial à família através da atuação junto ao governo e à opinião pública.