“Não sou boa o bastante.” O pensamento que acompanha a protagonista do filme Divertida Mente 2 dá sinais do quão desafiador pode ser a adolescência. Autocríticas exageradas e crenças irreais se intensificam nessa fase da vida, que serve de cenário à nova animação da Disney e Pixar, em cartaz nos cinemas brasileiros desde a quinta-feira, 20.
O filme dá sequência ao longa de 2015, em que Riley, então com 11 anos, enfrenta mudanças significativas ao deixar a cidade natal com a família. Agora, ela tem 13 anos, uma espinha no rosto, aparelho na boca, e está aprendendo a lidar com o turbilhão de emoções que surgem com a puberdade.
A ansiedade, a vergonha, a inveja e o tédio são as novas inquilinas que aparecem sem avisar na sala de comando do cérebro de Riley e pegam de surpresa as antigas habitantes do local: alegria, tristeza, medo, nojo e raiva.
“Oie, sou a ansiedade, onde ponho isso?”, pergunta a nova emoção, com várias malas não mão, a seus colegas presentes. Ela chega para proteger Riley de problemas futuros, e está sempre pensando no que poderia acontecer na pior das hipóteses. Mas os planos não saem como esperado e a ansiedade acaba tumultuando a mente da protagonista.
Prestes a ingressar no ensino médio, Riley faz de tudo para conseguir uma vaga no time de hóquei – uma oportunidade para novas amizades e maior interação social. Mas se vê envolvida em situações difíceis, ao derrubar um atleta em campo durante o treino e passar a ignorar velhas amigas.
“Ao tentar manter Riley a salvo, protegida e aceita pelos demais, a ansiedade faz com que a garota mude. Acho que muitos adolescentes passam por isso; eu passei. Nos modificamos um pouco para sermos aceitos pelos outros. Mas será que deveríamos mudar nosso jeito de ser para agradar as pessoas?”, questiona a diretora do filme, Kelsey Mann.
Cabe à alegria proteger o senso de identidade de Riley e ajudá-la a continuar sendo a garota feliz que ela conhece e ama tanto. “Eu sou uma pessoa legal”, pensa Riley, quando a alegria consegue se recompor. E a ansiedade lhe dá razão: “A gente não pode mudar quem ela é”.
Emoções não são boas nem ruins
A temática abordada na animação é um alerta para a importância de aprendermos a lidar melhor com as emoções. “Tudo é um equilíbrio. Não existem emoções ruins ou negativas, nem um certo e errado no sentir. Existem emoções agradáveis e desagradáveis, e modos de gerenciar o comportamento perante o outro”, explica a neuropsicóloga infantil Iara Mastine. Podemos sentir raiva, mas não é por isso que vamos dar um pontapé em outra pessoa ao se chatear com ela, exemplifica. “A gente precisa desse aprendizado dos comportamentos em si”, diz.
Iara relata que a ansiedade envolve preocupação futura, apreensão e hiper vigilância, e serve para alertar sobre possíveis perigos, permitindo um planejamento e trazendo segurança e produtividade. Quando, porém, aparece de forma intensa e desproporcional ao problema, é preciso averiguar as suas causas com a ajuda de um profissional de saúde. Sintomas como estado de vigilância constante, medo de situações banais, fobias específicas, como medo de animais ou de ir para a escola, e desconforto físico podem indicar uma crise de ansiedade e pânico. Em certo momento do filme, Riley aparece ofegante, transpirando muito e com as pernas trêmulas – e seus pais ficam muitas vezes sem saber como ajudá-la.
Assim como os adolescentes têm de aprender a lidar com as transformações emocionais, hormonais e comportamentais que surgem nesse período, muitas vezes, os pais também se sentem inseguros quanto a como apoiar os filhos. Até porque, muitos não tiveram acesso a uma educação socioemocional na infância, visto que a ênfase nesse aprendizado é uma prática recente. Nesse caso, a neuropsicóloga diz que os adultos têm de reconhecer as suas vulnerabilidades e falarem aos filhos que não sabem lidar com essa situação, mas que podem juntos procurar ajuda. “Os pais não precisam nem devem não errar. Mostrar que também vão atrás de orientação para melhorar é um exemplo superpositivo porque tira o peso da criança, que eu vejo muito hoje no consultório, da autocrítica, o que às vezes a prejudica, fazendo com que não se desenvolva adequadamente ao achar que não pode errar nem falhar”, conclui a especialista.