‘Ativismo’ infantil: o engajamento de novas gerações em temas polêmicos

A atualidade é repleta de crises e problemas sociais que fazem parte do cotidiano, por isso, é importante que as crianças também os conheçam

Por: Amanda Nunes Moraes/Canguru News

É interessante que debates sobre tópicos atuais sejam feitos em casa e na escola

Atualmente, temas polêmicos envolvendo questões raciais, ambientais e de gênero são muito discutidos, inclusive entre crianças e adolescentes. As novas gerações buscam informações sobre causas sociais e tomam posições cada vez mais cedo, inaugurando uma espécie de “ativismo infantil”. Ativistas que começaram a defender causas sociais muito jovens, como Greta Thunberg, se destacam mundialmente. Hoje com 18 anos, Greta criou, aos 15 anos, o movimento Fridays For Future, que discute o tema do aquecimento global e mudanças climáticas. 

Também engajados nas questões ambientais, os irmãos Helena, 11 anos, e Heitor Violante, 13 anos, são veganos e exemplos do ativismo infantil. A mãe dos dois, Camila Violante, já era vegana desde a adolescência e decidiu que criaria os filhos seguindo esse mesmo estilo de vida desde o nascimento. “Eu sou veterinária, então eles sempre estiveram em contato com os animais de uma forma muito diferente, sempre eu cuidando, salvando, resgatando. Vida é um valor absoluto para todos os seres. Eles já cresceram com essa filosofia”, conta a mãe.

Causas com informações confiáveis

Para os irmãos, o veganismo é muito importante. Eles acreditam que é fundamental que outras crianças aprendam sobre este tema e outros assuntos da atualidade. “As crianças devem conhecer temas atuais, elas deveriam saber sobre as verdades do mundo de hoje. É importante que os pais conversem com os filhos sobre esses assuntos, mas de uma forma correta. Eles precisam saber explicar, mostrar vídeos, checar fontes e ter informações confiáveis”, diz Heitor.

Helena e Heitor já participaram de manifestações relacionadas à sustentabilidade. Um evento que ficou marcado para eles foi um protesto contra o abate dos animais. “Foi na Assembleia Legislativa, a nossa primeira manifestação. A gente sentiu na pele como é protestar por alguém que não consegue falar e precisa de ajuda”, conta Helena. Os irmãos também criaram um perfil no Instagram chamado Vegan Kids Brazil, cujo objetivo é conscientizar crianças sobre o consumo de carne e outras questões ambientais.

“Queremos mostrar que podemos superar o paladar egoísta. Publicamos fotos de bichinhos fofinhos, informações, publicações ativistas e fotos dos nossos pratos veganos e coloridos”, explica Helena. A conta foi criada e é monitorada por Camila, para garantir a segurança dos pequenos. “Queremos demonstrar para as pessoas que a gente é saudável, temos uma vida normal e somos veganos, e não de uma maneira tão forte como outras pessoas fazem, mostrando sangue e cabeças cortadas”, acrescenta Heitor.

Ana Luisa Pedroso, 16 anos, também se engajou no debate de temas polêmicos desde pequena. “Eu sempre fui bem próxima às preocupações do mundo atual. Eu já tinha uma tendência a me identificar com assuntos relacionados ao feminismo, questões LGBTQIA+, antirracismo, crise climática e outras causas sociais desde que eu era muito novinha”, aponta. Quando tinha 10 anos, Ana Luisa participou de manifestações contra a desigualdade de gênero que ocorreram em Cotia, em São Paulo, onde mora.

Inspirada pela sua irmã mais velha, que sempre foi inteirada com os assuntos da atualidade, Ana Luisa tornou-se vegana em 2019. Ela também é voluntária de uma ONG que resgata animais e costuma divulgar informações e se posicionar nas redes sociais. “Quando a pandemia acabar quero participar de mais manifestações como a minha irmã já participou. Acho que vai me ajudar a concretizar meus pensamentos”, relata. Apesar de a irmã ter sido a principal fonte de inspiração de Ana Luisa, o apoio e respeito dos pais aos posicionamentos da adolescente também foram fundamentais para o seu desenvolvimento e crescimento pessoal.

O papel dos pais

“Falar de política é falar de tudo. É fundamental falar sobre temas polêmicos com as crianças, porque estão presentes em vários momentos do nosso cotidiano”, diz Janine Rodrigues, palestrante, educadora e idealizadora de conteúdos voltados para a educação para a diversidade.  Segundo ela, é comum que os filhos sejam inspirados e se envolvam com causas políticas com as quais os pais estão articulados. “As crianças absorvem os hábitos dos pais, o que pode ter um lado bom e um lado ruim. Por isso, é preciso deixar espaço para elas terem a sua própria opinião. O lugar de escuta deve ser tão valorizado quanto o de fala”, relata. 

As crianças não precisam concordar com o posicionamento dos pais e precisam ter espaço para rebater e mostrar os seu ponto de vista também, observam pais ativistas. Renata Senlle, integrante do coletivo Política É A Mãe, jornalista e mãe do Bernardo, de 10 anos, concorda que os filhos podem ser inspirados pelos pais e defender os mesmos movimentos, mas sem pressão e sem obrigatoriedade. “Eu acho que filho não é cobaia da militância dos pais, talvez ele também ache as suas próprias causas depois. Eu não faço questão que o meu filho se envolva nas minhas causas, eu faço questão que ele tenha respeito pelas causas de diversas pessoas e que tenha uma atitude no mundo que seja honesta, pensando na justiça social”, afirma.

 

“Eu acho importante que as crianças conheçam a realidade e os temas polêmicos. A crise climática, por exemplo, é uma das causas que vai afetá-las mais fortemente e por um longo prazo. Por isso, é preciso envolvê-las na discussão, para que elas entendam a importância da sociedade toda estar engajada”, aponta Renata Senlle. Isso vale para outros temas sociais, como racismo e desigualdade de gênero. Não é responsabilidade das crianças resolver estas questões, mas elas precisam compreendê-las, elas não devem ser alienadas de assuntos presentes no seu dia a dia.

 

Como falar com as crianças sobre temas polêmicos

Alguns temas polêmicos podem ser difíceis até para os adultos compreenderem, por isso, é preciso encontrar a melhor forma de educar os filhos em relação à atualidade. Existem diversas abordagens que podem funcionar bem. As especialistas separaram algumas dicas para ajudar os pais. Confira!

  1. Rodas de conversa

De acordo com Karen de Andrade, um método eficaz na Escola Tarsila do Amaral, em São Paulo, é realizar rodas de conversa com os alunos, para que expressem seus diferentes pontos de vista. “Nas discussões polêmicas é necessário que as educadoras abram espaço para opiniões diversas, o contraditório e o exercício da empatia. Esse tipo de condução já não cabe, por exemplo, para as questões de discriminação e opiniões preconceituosas”, aponta.

  1. Utilizar recursos lúdicos e linguagem acessível

Renata Senlle costuma utilizar o jornal infantil Joca com o seu filho, pela linguagem mais adequada para as crianças. “É preciso ter essa adequação de linguagem, ajustando a abordagem e nível de profundidade de acordo com a idade da criança. Também é bacana utilizar recursos lúdicos, para que eles não percam a capacidade de imaginar outros mundo e, lá na frente, realizem as transformações. Isso é tão importante quanto, dar conta dessa realidade de agora”, diz.

  1. Trazer os assuntos para a realidade da criança

“Às vezes quando eu estou muito empolgada falando de uma causa para o meu filho, eu vejo ele revirando os olhos, porque o tom professoral é chato. Agora, se a gente pontua alguma coisa que acontece na realidade concreta dele e oferece alternativas de como agir, é muito mais eficaz”, afirma Renata Senlle. Quando seu filho era menor, frequentava uma escola em que tinha um banheiro para todas as crianças dividirem, independente do gênero. A partir disso, ela gerou uma discussão para refletirem por que têm lugares que dividem os banheiros.
“Promover conversas a partir do ambiente onde a criança está é uma abordagem que faz muito sentido, porque ela vai associar com o que ela está vivendo, não fica uma coisa abstrata. E você não vira uma ‘mãe palestrinha’, eu acho que isso afasta”, explica.

  1. Demonstrar exemplos práticos

Janine Rodrigues concorda que é uma ótima ideia demonstrar na prática como a política se aplica no cotidiano das crianças. Um exercício interessante é propor aos pequenos o desafio de jogar o lixo fora. “A proposta é mostrar para as crianças que na verdade é impossível jogar um lixo fora, ou você muda de lugar ou transforma a matéria”, conta Rodrigues. Este caminho pode ser mais difícil, mas para ela, é o tipo de educação que faz mais sentido. “Falar é muito importante, mas quando a gente provoca uma reflexão e essa reflexão acaba levando para o resultado que a gente mais gostaria, é muito melhor”, acrescenta. 

  1. Situar o contexto de cada um

“Outra coisa que eu tento fazer é contextualizar a nossa situação. A minha como uma mulher branca, cis, de classe média e a do meu filho como um menino branco, que tem acesso a tudo”, diz Renata. O objetivo disso é fazer com que as crianças respeitem o lugar de fala de cada um, isto é, reconhecer e dar visibilidade para o discurso das minorias, sem silenciá-las. 
Mas também não é para fazer a criança se sentir culpada. “É para explicar que a gente vive num contexto de muito privilégio e a precisamos agradecer e batalhar para que outras pessoas tenham os mesmo direitos, acessos e privilégios ou até mais, isso tem que se expandir para todo mundo”, conclui.

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