Parentalidade
Infância ‘produtiva’: crianças agem como mini adultos nas redes sociais
Canguru News
Especialista fala sobre os danos emocionais da adultização precoce no ambiente virtual

Para psicóloga, exposição nas redes exige mediação cuidadosa de adultos preparados
Nas redes sociais, tornou-se comum ver crianças e adolescentes em papéis de adulto, praticando atividades que muitas vezes não condizem com a sua faixa etária. São mini CEOs, influenciadores mirins e outros pequenos especialistas que adotam discursos motivacionais, definem metas de produtividade, fazem doutrinação religiosa e até emitem opiniões políticas em busca de destaque e reconhecimento.
Para a psicóloga clínica e psicopedagoga Roberta Passos, especialista em desenvolvimento infantil e neuropsicologia, esse novo comportamento social mostra como a infância está sendo moldada por uma lógica adulta de performance e produtividade, o que pode ter consequências profundas na formação emocional dos jovens.
“É claro que devemos incentivar talentos, criatividade e responsabilidade. Mas quando a criança passa a ser enxergada como um pequeno adulto que precisa render, produzir ou inspirar constantemente, isso pode gerar uma pressão interna silenciosa. Muitas vezes, elas não têm maturidade para lidar com os elogios, nem com as cobranças que vêm depois”, explica a especialista.
As falas maduras, rotinas rigorosas e obrigações de alto desempenho são, muitas vezes, decoradas e apresentadas sem o devido processo de construção crítica.
“Há um encantamento social por crianças que ‘sabem demais’ ou ‘falam como adultos’. Mas precisamos refletir: de onde vêm essas falas? Qual o impacto de carregar, desde tão cedo, o peso de influenciar ou representar ideias que talvez ainda nem tenham sido plenamente compreendidas?”, questiona Roberta.
Ela destaca que o mesmo vale para a inserção em ambientes religiosos com discursos pesados sobre culpa, inferno, pecado ou castigos — quando a linguagem não é adaptada ao desenvolvimento psíquico da criança. O excesso de responsabilidade precoce pode gerar quadros de ansiedade, fobia social, crises de autoestima e confusão identitária na adolescência.
A infância como tempo de experimentação — não de perfeição
“A infância é um período de descoberta, erro, construção. Quando não há espaço para a espontaneidade, para a dúvida e até para o silêncio, a criança internaliza uma lógica de exigência contínua que pode travar o desenvolvimento emocional saudável”, afirma a psicóloga.
Além disso, muitas dessas crianças acabam se sentindo “presas” a um personagem público que foi criado para elas — e não por elas. Em alguns casos, há arrependimentos tardios, rompimentos familiares e crises existenciais precoces.
Roberta não faz uma crítica generalizada à exposição ou ao incentivo, mas defende que a atuação de crianças em ambientes de visibilidade exige mediação cuidadosa de adultos preparados — emocionalmente e psicologicamente.
“As famílias precisam se perguntar: estou deixando meu filho ser criança? Ele sabe que tem o direito de não querer mais? Estamos respeitando os limites emocionais ou projetando algo sobre ele?”
É preciso lembrar que não existe sucesso saudável sem estrutura emocional sólida. A infância não deve ser uma fase apressada para “chegar logo a algum lugar”, mas um tempo essencial de formação subjetiva, onde brincar, errar, mudar de ideia e não saber são partes legítimas do processo.
“Mais do que crianças extraordinárias, precisamos de crianças seguras, espontâneas e respeitadas em seu tempo de crescer”, finaliza a especialista.