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Os riscos de transformar sofrimento em conteúdo para as redes sociais
Canguru News
Ao expor crises, influenciadores ensinam crianças a repetir ação, buscando validação na dor

Para psicopedagoga, o acolhimento diante de uma crise emocional deve ser real, e não por meio de mídias digitais
Expor questões emocionais nas redes sociais tem se tornado um hábito cada vez mais comum entre influenciadores digitais. A prática preocupa especialistas, não só pela saúde mental desses usuários, mas também pelo exemplo dado a crianças e adolescentes, que passam a entender que sentimentos como tristeza, raiva ou frustração podem se tornar “conteúdo” — e, pior, que a validação emocional vem em forma de curtidas, comentários e visualizações.
“Quando a criança vê repetidamente episódios de figuras públicas chorando ou expondo dores profundas em vídeos, ela internaliza a ideia de que demonstrar sofrimento publicamente é uma maneira legítima — e até esperada — de receber atenção e afeto”, afirma a psicóloga clínica e psicopedagoga Roberta Passos.
Segundo Roberta, esse processo, chamado de “espetacularização do sofrimento”, leva a uma inversão da lógica emocional: “A validação deixa de vir pelo vínculo íntimo e seguro e passa a depender da reação de uma plateia. Isso prejudica a elaboração real da emoção e pode levar a comportamentos performáticos, em que a criança ou adolescente começa a ‘atuar’ sentimentos para serem vistos.”
Estudos mostram que plataformas como YouTube e X (ex-Twitter) amplificam conteúdos emocionalmente carregados — especialmente os de cunho negativo ou dramático — não porque refletem preferências reais dos usuários, mas porque esses conteúdos geram mais reações e engajamento. Em ambientes que privilegiam a “máquina da indignação”, postagens emocionalmente intensas recebem mais comentários, compartilhamentos e visualizações, mesmo que isso prejudique o processamento emocional saudável. Para crianças, que ainda estão formando a compreensão da autenticidade, a exposição constante a esse padrão pode reforçar a ideia de que a dor exposta é mais valiosa quando pública e intensa.
Tal prática traz uma série de riscos para o desenvolvimento emocional, conforme explica a psicopedagoga:
● Dificuldade em processar emoções de forma saudável: a exposição substitui o acolhimento real;
● Baixa tolerância à frustração: a criança espera reação imediata e em grande escala;
● Perda de intimidade emocional: os sentimentos deixam de ser compartilhados com figuras de confiança e passam para um público amplo;
● Reflexos na autoestima: o valor pessoal passa a ser medido por métricas virtuais.
Para a especialista, o caminho não está em afastar crianças e adolescentes do mundo digital, mas em equipá-los para vivê-lo de forma saudável. “É preciso conversar sobre o que eles veem nas redes, ajudando a diferenciar a expressão emocional genuína de um conteúdo performático; oferecer canais seguros de expressão, como arte, esporte e momentos de diálogo familiar; e supervisionar o tempo e o tipo de consumo digital, priorizando aquilo que estimule empatia e cooperação. Assim, ensinamos que o valor de um sentimento não está na quantidade de curtidas que ele recebe, mas no cuidado real que se constrói em torno dele”, conclui.