Cuidados com a Saúde
Consumo de açúcar na primeira infância traz riscos à saúde futura
Canguru News
Prática dificulta a aceitação de alimentos naturais e favorece a obesidade

60% das crianças com menos de dois anos consomem alimentos como biscoitos, bolachas ou bolos
Há quem não veja problema em oferecer um brigadeiro ou pedaço de bolo a uma criança pequena durante uma festa. Porém, evidências científicas mostram que o contato precoce com o açúcar pode trazer prejuízos duradouros para a saúde dos pequenos.
Segundo a pediatra nutróloga Virginia R. S. Weffort, o açúcar é um dos principais fatores de risco evitáveis quando o assunto é saúde infantil. “A introdução precoce do açúcar treina o cérebro da criança a preferir alimentos doces, o que dificulta a aceitação de frutas, legumes e vegetais, comprometendo a construção de um paladar variado e saudável”, afirma.
Esse processo, que começa com uma simples colherada, pode influenciar hábitos alimentares que se mantêm por toda a vida. Crianças expostas desde muito cedo ao açúcar têm mais chances de desenvolver preferências alimentares pouco saudáveis, além de apresentarem maior propensão à obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e doenças cardiovasculares. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) são enfáticos: crianças com menos de dois anos não devem consumir açúcar, mesmo em pequenas quantidades, nem na forma de mel ou adoçantes artificiais.
Ainda assim, os dados preocupam. De acordo com o Ministério da Saúde, 60,8% das crianças brasileiras com menos de dois anos consomem alimentos como biscoitos, bolachas ou bolos, e 32,3% tomam refrigerantes ou sucos artificiais. O número é ainda mais alarmante se comparado à recomendação de limite da OMS: enquanto o máximo sugerido é de 25g de açúcar por dia, o brasileiro consome, em média, cerca de 80g por dia, o equivalente a 18 colheres das de chá.
Mas os impactos do açúcar vão além do paladar e da balança. A ingestão precoce também desequilibra a microbiota intestinal infantil, comprometendo funções essenciais do organismo. “O consumo frequente de sacarose e frutose reduz a diversidade bacteriana, com redução das benéficas como Bifidobacterium e Lactobacillus, e favorece o crescimento de micro-organismos patógenos como Clostridium difficile e Escherichia coli ”, explica Weffort. O resultado é um estado de disbiose intestinal que enfraquece o sistema imunológico, aumenta a inflamação do organismo e pode estar relacionado a distúrbios metabólicos, obesidade, diabetes tipo 2, doença inflamatório intestinal, síndrome do intestino irritável, doenças autoimunes, alterações de humor e até quadros de depressão e ansiedade na adolescência.
Alimentos que devem ser evitados nos primeiros anos de vida
Além disso, o açúcar afeta o comportamento alimentar. Segundo a pediatra, o consumo frequente de doces interfere na regulação da saciedade e no controle de impulsos, favorecendo o chamado comer emocional, hábito que se forma desde os primeiros anos e é difícil de reverter na vida adulta. Diante desse cenário, a orientação é clara: retardar ao máximo o contato com o açúcar e investir em práticas para o desenvolvimento do paladar. Algumas estratégias recomendadas incluem a exposição a alimentos naturais desde o início da alimentação complementar, priorizando frutas, vegetais, leguminosas e grãos integrais, assim como a introdução precoce de sabores amargos e vegetais, e o uso de alternativas naturais de saborização, como canela, baunilha e cacau puro, no lugar de açúcar ou adoçantes.
Além do açúcar, outros ingredientes devem ser evitados nos primeiros anos de vida: farinhas refinadas, gorduras trans, aditivos químicos (como corantes e conservantes) e realçadores de sabor como o glutamato monossódico, todos com potencial inflamatório e associados ao aumento do risco de doenças crônicas. Por isso, a leitura dos rótulos também merece bastante atenção: “muitos alimentos industrializados contêm açúcar ‘escondido’, mesmo quando não têm gosto doce, como molhos, ketchups, iogurtes e bebidas vegetais. A informação precisa ser acessível para que os pais possam fazer boas escolhas”, defende a médica.
Nesse sentido, o papel de pediatras e nutricionistas é fundamental. De acordo com Weffort, é necessário que pais e cuidadores sejam orientados sobre a importância dos primeiros 1.000 dias de vida (desde a gestação até os dois anos), período em que o organismo e os padrões alimentares da criança estão em formação. O incentivo ao aleitamento materno exclusivo até os 6 meses, e à introdução alimentar natural e progressiva a partir daí, são pilares para uma trajetória saudável. A professora também reforça que a formação do paladar exige tempo, repetição e paciência. “A criança pode precisar de 6 a 15 exposições ao mesmo alimento para aceitá-lo. É natural que haja recusas no início, mas é importante insistir com delicadeza. Se o açúcar entra cedo, ele substitui sabores mais complexos, como o amargo ou o azedo, e isso prejudica a diversidade alimentar”, explica.