Parentalidade
Lógica da economia do esforço retira oportunidades formativas às crianças
Canguru News
Para psicopedagoga, é preciso resgatar o valor do processo, da convivência e do vínculo

Tarefas domésticas favorecem habilidades como autonomia e responsabilidade
Atividades simples como cozinhar em família, arrumar a casa junto com os filhos, ensinar tarefas básicas do dia a dia. Esses são alguns exemplos de hábitos que vêm sendo deixados de lado. “Vivemos a era dos atalhos. A tecnologia avança, o tempo parece cada vez mais escasso e, em nome da praticidade, muitos dos processos que antes envolviam esforço, convivência e aprendizagem foram sendo substituídos por soluções imediatas”, diz a psicopedagoga Esther Cristina Pereira, diretora da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) e diretora educacional do Instituto Destino Brasil.
Para ela, essa lógica tem se infiltrado em todos os aspectos da vida: nas rotinas familiares, nos cuidados com o outro e, principalmente, na forma como estamos educando nossas crianças e jovens.
No cotidiano, isso se revela de maneiras sutis: soluções que economizam esforço, mas também retiram oportunidades formativas. Optamos por alimentos prontos, terceirizamos a organização da rotina, deixamos de transmitir saberes essenciais com a justificativa de que "não temos tempo". “Mas será que é realmente falta de tempo ou o fato de não darmos valor a esses momentos?”, questiona Esther.
A pedagoga ressalta que as tarefas corriqueiras permitem desenvolver habilidades fundamentais como autonomia, paciência, convivência e responsabilidade. Ela afirma que quando tudo vem pronto ou é resolvido por alguém ou por alguma máquina, o corpo, o cérebro e as emoções deixam de ser estimulados. E esse empobrecimento não é abstrato, ele se reflete diretamente na forma como nossas crianças enfrentam desafios, lidam com frustrações e se relacionam com o mundo.
Na escola, os atalhos têm consequências ainda mais sérias. “Estamos normalizando aprovações sem aprendizagem, promovendo estudantes sem domínio dos conteúdos, ignorando que cada etapa do processo formativo precisa ser vivida, e não apenas registrada no boletim. Crianças avançam no sistema de ensino sem saber ler ou escrever com segurança”, destaca a especialista.
Ela faz um alerta ainda para pareceres, leis e diretrizes que são, muitas vezes, pensados sem escuta da realidade escolar e aplicadas de forma genérica. E dá como exemplo a inclusão, que não pode ser tratada como uma série de normativas prontas para aplicação imediata, exigindo planejamento, escuta, estrutura e, principalmente, sensibilidade.
Para Esther, não é possível formar cidadãos conscientes, éticos e preparados para o mundo se continuarmos pulando etapas fundamentais do desenvolvimento humano. Ela lembra que a essência da educação é o encontro, o processo, o vínculo.
Precisamos, como sociedade, resgatar o valor do processo. “O cuidado, a aprendizagem de verdade, assim como a educação dada pela família, são construções lentas, que exigem convivência, presença e respeito à complexidade da vida em comunidade”, conclui.